O mesmo sistema de
navegação que impede que os insetos se choquem durante o voo poderá tornar os
veículos mais seguros
Os gafanhotos são insetos pequenos, que não causam muito estrago quando
estão sozinhos. Porém, a coisa muda de figura quando eles se reúnem em enxames
que podem alcançar milhões de criaturas ao mesmo tempo. Esses grupos atacam as
lavouras devastando literalmente tudo o que veem pela frente, causando muitos
prejuízos aos agricultores.
Mas o que é mais impressionante nisso é que, mesmo em enxames enormes, os
insetos conseguem voar de maneira relativamente ordenada, sem trombar uns com
os outros. Parece difícil acreditar, mas os gafanhotos possuem um sistema de
navegação e detecção de colisões muito avançado em seus cérebros.
Os pesquisadores pretendem aprender como essa tecnologia funciona para então
transferi-la para robôs e veículos, ajudando a diminuir os acidentes de
trânsito.
Cientistas da Universidade Lincoln e da Universidade de Newcastle
desenvolveram um sistema computadorizado que permite a navegação autônoma de
robôs baseados no sistema visual dos gafanhotos. Essa pesquisa pode proporcionar
o desenvolvimento de avançados sistemas de detecção de colisão, tecnologia de
vigilância e muito mais.
Estes insetos possuem um sistema bastante desenvolvido de processamento de
informações através de sinais elétricos e químicos, dando a eles um sistema de
alerta extremamente rápido e preciso para impedir colisões. Segundo os
cientistas, esse poderoso sistema de processamento de dados biológico pode —
pelo menos em teoria — ser recriado em robôs.
Recriando um sistema biológico em computadores
O estudo iniciado pelo Professor Shigang Yue, da Universidade de Lincoln, e
pela Dra. Claire Rind, do Instituto de Neurociência da Universidade de
Newcastle, começou com a compreensão da anatomia, das respostas e do
funcionamento dos circuitos presentes no cérebro dos gafanhotos. Esse mecanismo
encontrado no cérebro dos insetos permite que eles detectem objetos próximos e
os evitem em voos ou no chão.
Com esses dados em mãos, a equipe desenvolveu um motor visualmente
controlado composto por dois detectores de movimento e um motor gerador de
comandos simples. Cada detector processa as imagens de forma independente e,
depois, os dados relevantes são convertidos em comandos motores; tudo isso com
muita rapidez.
Segundo o Professor Yue, a equipe foi inspirada pelo modo como o sistema
visual dos gafanhotos funciona quando interage com o mundo externo; os
pesquisadores viram que isso tem potencial para simular complexos sistemas em
software e hardware para diversas aplicações diferentes.
Para complementar a pesquisa, o grupo desenvolveu um sensor completo com as
mesmas propriedades daquele possuído pelos insetos, o Lobula Giant Movement
Detector. Esse sistema foi instalado em robôs para que ele pudesse explorar
caminhos e interagir com objetos, efetivamente utilizando apenas comandos
visuais.
O papel fundamental da visão
A visão tem um papel fundamental na interação da maioria das espécies de
seres vivos, e mesmo criaturas muito mais simples possuem incríveis capacidades
de processamento visual. Um exemplo disso são os insetos que respondem às
investidas de predadores com incrível rapidez.
Essa pesquisa demonstra que modelar sistemas visuais e neurais pode promover
novas soluções para a visão computacional em ambientes dinâmicos. Por exemplo:
isso pode permitir que veículos “entendam” o que acontece na estrada ao seu
redor antes de tomar as devidas precauções para evitar os acidentes.
De acordo com a Dra. Claire Rind, “desenvolver programas robóticos de redes
neurais com base no cérebro dos gafanhotos nos permitiu criar um programa que
permite a um robô móvel detectar objetos que se aproximam e evitá-los. Não é a
abordagem convencional, uma vez que evita o uso de radares ou detectores de
infravermelho que exigem muito poder de processamento.”
“Levando adiante este trabalho, nós queremos aplicá-lo aos sistemas de
prevenção de colisões de veículos, que é um grande desafio para a indústria
automotiva. Enquanto algumas características anticolisão são opcionais de luxo
em poucos veículos, seu desempenho nem sempre é tão bom quando poderia ser, e
mesmo assim eles têm um custo elevado”.
“Esta pesquisa nos oferece importantes ideias sobre como podemos desenvolver
um sistema para o carro que pode melhorar o desempenho de um nível, de forma
que se poderia facilmente remover o elemento ‘erro humano’ (dos acidentes
automotivos)”.
Sistemas anticolisão eficientes: o fim dos acidentes de trânsito?
Os acidentes de trânsito estão entre as maiores causas de mortes entre os
jovens, e o fator principal ainda é o erro humano. Uma das maneiras de eliminar
esse problema é introduzindo sistemas anticolisão nos veículos.
Essas ferramentas funcionam de muitas formas diferentes: os modelos mais
tradicionais contam com sensores de proximidade e radares que mapeiam a estrada
e enviam sinais para o computador central do carro.
Sistemas mais avançados preveem veículos e estradas inteligentes conectados
em rede. Em teoria, todos os automóveis saberiam exatamente a localização uns
dos outros, sendo possível evitar as colisões uma vez que a rota seria
calculada automaticamente com muita precisão. Esse talvez seja um dos recursos
mais difíceis de se implementar, já que seria necessário desenvolver todo um
ecossistema inteligente interligado.
Essa nova tecnologia desenvolvida com base nos gafanhotos não calcula a
trajetória com antecedência, mas prepara o veículo para executar manobras
evasivas com perfeição e com um tempo de resposta mais rápido.
Gafanhotos: inspiração para pesquisa e desenvolvimento
Essa não é a primeira vez que os gafanhotos são utilizados como base para
estudos. Há algum tempo, pesquisadores da Universidade de Nova Gales do Sul, na
Austrália, junto com um time de pesquisadores de voos animais do departamento
de zoologia da Universidade de Oxford, utilizaram câmeras digitais de alta
velocidade para capturar o voo de gafanhotos em tempo real em um túnel de
vento.
Dessa forma, eles puderam captar o modo como as asas desses insetos se
comportam durante os voos. Baseando-se nessas informações, eles foram capazes
de criar modelos de computador que podem recriar o fluxo de ar e impulso
gerados pelo complexo movimento de bater asas das criaturas.
Os gafanhotos são algumas das criaturas com o voo mais perfeito da natureza,
e entender como esses insetos se movimentam é extremamente importante para a
criação e o desenvolvimento de robôs miniaturizados que podem ser utilizados em
missões de salvamento, militares e inspeção de locais perigosos. Afinal de
contas, os milhões de anos de evolução dessas criaturas não podem ser
desperdiçados.
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