Muito
se propala acerca da acidentalidade envolvendo motos no Brasil,
qualificando a moto como um veículo perigoso, mas será isso realmente
verdadeiro ou uma falácia?
Ao analisarmos a etimologia do termo falácia, vamos verificar que se
trata de uma enganação, um argumento falso que parece ser verdadeiro a
partir de um raciocínio lógico inconsistente que visa persuadir um
grande contingente de pessoas.
No caso das motos, a conclusão lógica do raciocínio indutivo da
oratória empregada é até bem simples: muitas pessoas morrem em acidentes
envolvendo motos, então a moto é um veículo perigoso.
Parece fazer sentido porque essa é a ideia, validar a premissa
apresentada (moto é um veículo perigoso) porque a conclusão nos assusta
(morrer). Há aqui uma falsa relação de causa e efeito, um silogismo
aparente.
Sim, é verdade que as estatísticas mostram que, em termos gerais, a
acidentalidade envolvendo motos é muito grande, mas apenas em termos
gerais!
A consequência morte envolvendo motos não é uma verdade em todos os
contextos. As mesmas estatísticas (SIM/SVS/MS) nos fazem ver que até
2006 as mortes envolvendo motos eram em menor número do que as mortes
envolvendo pedestres, em primeiro lugar, e automóveis, em segundo lugar.
Então, alguma coisa mudou de lá para cá para agravar a acidentalidade
com motos, pois estas simplesmente não se tornaram “mais perigosas”
apenas com o passar do tempo.
Mesmo atualmente, as estatísticas mostram que há menos mortes
envolvendo motos em duas faixas de idade, de zero a quatorze anos e de
51 a 90 anos. Nestas, quem mais morre são pedestres e, nem assim,
podemos afirmar que nossas pernas são perigosas.
O Brasil tem uma frota circulante de motos por habitante equivalente a
do Japão e menor do que a da Espanha e da Itália, mas só perde para o
Paraguai em número de mortes para cada 100 mil pessoas. Antes de algum
anti-ufanista se alvoroçar em afirmar que não se pode comparar o Brasil
com Japão, Espanha ou Itália, verifica-se que temos uma frota
proporcional bem menor do que a do Vietnã, Tailândia e Indonésia e,
apesar disso, nosso índice de mortalidade é bem maior do que o destes
países asiáticos que alguns preconceituosos classificam como de
“terceiro mundo”.
Postos estes dados, pode-se deduzir que o aumento da acidentalidade
não é unicamente derivado do aumento da frota e o que realmente podemos
concluir é que há outros fatores associados à alta acidentalidade que
não exclusivamente o tipo de veículo.
A moto em si não é um veículo perigoso porque ela não faz
absolutamente nada que não seja decorrente de atos de seu condutor, ela é
inanimada, está sujeita às circunstâncias da situação, do contexto e do
meio. Os sofistas que fazem reverberar esta retórica têm, pelo menos,
dois objetivos conjugados: preservar o automóvel como ente protagonista
na definição de políticas públicas de mobilidade e marginalizar a moto
e, portanto, seus usuários.
Nosso entendimento é de que a alta acidentalidade envolvendo motos
está relacionada com diversos fatores, mas principalmente três: 1º) A
falta de priorização de investimentos em transporte público; 2º) A
marginalização das motos e bicicletas como soluções necessárias para o
transporte particular brasileiro; e, por fim, como decorrência dos
anteriores; 3º) Desrespeito ao princípio de equidade expresso na
Política Nacional de Mobilidade Urbana em seu artigo 5º inciso VIII, o
qual prevê “equidade no uso do espaço público de circulação, vias e
logradouros”.
Para quem não sabe, equidade é a justiça com equivalência, é tratar
os iguais de forma igual e os diferentes de forma diferente, é dividir o
parco em quinhões proporcionais ao que cada um faz direito, o que pode
ser lavado para o trânsito com a seguinte figura: É impossível imaginar
ser sustentável, socialmente justo e ecologicamente correto um modelo
que admita que um único indivíduo de aproximadamente 70 Kg possa fazer
uso de um veículo de quase duas toneladas que consome 1 litro de
combustível fóssil (diesel ou gasolina) entre quatro ou oito quilômetros
de deslocamento, um SUV por exemplo, se a infraestrutura viária é
insuficiente para atender a demanda existente.
E, desta vez, não adiante empurrar a responsabilidade para a
inaptidão dos governantes, pois também é impossível imaginar a expansão
da infra estrutura viária na mesma proporção do aumento da frota de
carros, isso seria o mesmo que imaginar que a cura da obesidade está em
afrouxar o cinto da calça.
Enfim, o que propomos é que as motos sejam desatreladas dos
automóveis na análise dos problemas da mobilidade urbana e encarada como
uma solução necessária e alternativa racional, democrática,
ecologicamente menos agressiva e socialmente justa quando se trata de
meios de transporte particular, uma vez que o nosso Estado precariza o
sistema de transporte coletivo.
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