Gastos com benefícios decorrentes de acidentes de trânsito, como aposentadoria por invalidez, aumentaram 54% em dois anos
Motoristas que forem flagrados em alta velocidade, embriagados ou
participando de racha e provocarem acidentes com vítimas podem ser
processados pela Previdência Social e obrigados a ressarcir os cofres
públicos. Os valores gastos pela Previdência com benefícios decorrentes
de acidentes de trânsito aumentaram 54% em dois anos – passando de 7,8
bilhões em 2011 para R$ 12 bilhões no ano passado. A estimativa é de que
o montante represente cerca de um milhão de benefícios pagos pelo
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Para reverter essa tendência, o governo procura encontrar fórmulas de
prevenção, com o intuito de reduzir as despesas com aposentadorias por
invalidez e auxílio-doença. Desde 2011, a Previdência já impetrou três
ações regressivas de trânsito que cobram dos motoristas a fatura
despendida pelo poder público. Elas tramitam no Rio de Janeiro, Rio
Grande do Norte e Distrito Federal e somam perto de R$ 1,2 milhão.
Segundo a Previdência, uma dessas ações já foi julgada procedente
pela Justiça Federal de Natal (RN). Porém, o réu interpôs Recurso
Especial ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o caso ainda está
tramitando. “O benefício que gera maior despesa ao INSS é a
aposentadoria por invalidez, pois é um benefício de longa duração pago,
na maioria das vezes, a pessoas jovens”, explica o secretário de
Políticas de Previdência Pública do Ministério da Previdência, Leonardo
Rolim.
Debate
Apesar de a Previdência já ter garantido uma vitória parcial nos
tribunais, as ações regressivas de trânsito ainda não são unanimidades
para os especialistas. Uma das discussões é de que o ressarcimento aos
cofres públicos possa ser interpretado como dupla punição para o
condutor, o que é proibido, já que ele também seria responsabilizado nas
áreas criminais e cíveis, por exemplo. Especialista em direito
previdenciário, David de Mello afirma que há uma discussão sobre o tema.
“Há um debate sobre o assunto que não está bem definido. Mas creio que a
Previdência terá êxito e isso pode significar outras formas de punições
aos motoristas infratores”, diz.
A presidente da Comissão de Trânsito da OAB em São José dos Pinhais,
Gisele Barioni, explica que as ações regressivas são comuns em acidentes
de trabalho, com uma legislação específica sobre o tema. “Mas, não há
uma legislação específica para os casos de trânsito.”
Ela salienta que a ausência de legislação sobre o assunto pode gerar
insegurança jurídica. “Mesmo que a intenção da medida seja reembolsar
valores e desestimular a ocorrência de acidentes, vale ponderar que
valores cobrados pelo INSS mediante ação regressiva poderiam
caracterizar dupla punição.”
Vítima acredita na redução de acidentes
Cristiano Yaga mal havia se formado como engenheiro mecânico quando
uma tragédia mudou sua vida. Há quatro anos, um carro bateu na traseira
do veículo em que ele estava. O choque provocou a fratura de duas
vértebras da coluna cervical. A sensação de formigamento tomou conta do
corpo. “Parecia que minha cabeça estava de um lado e o resto do corpo de
outro”, relata.
Hoje, com 29 anos, Cristiano, que recebe aposentadoria por invalidez,
já conseguiu avanços impressionantes. Os médicos tinham dito que ele
viveria em uma cama “como se fosse um vegetal”. O diagnóstico era de que
ele tinha ficado tetraplégico. Porém, ele já consegue mover um pouco as
pernas e o braço esquerdo. Chega até a andar, com um pouco de
dificuldade, e com a ajuda de um andador.
Cristiano ficou três meses em um hospital em Curitiba. Sem tirar o
sorriso do rosto, ele conta que foi lá que os movimentos foram
retornando. “Sou considerado hemiplégico, já que meu lado esquerdo mexe
mais que o direito.”
O culpado pelo acidente recusou-se a fazer o teste do bafômetro e
continua impune. “Talvez com essa medida, a violência no trânsito
diminua”, diz.
Especialistas dizem que medida é redundante e não tem lógica
O presidente da Comissão de Trânsito da Ordem dos Advogados do
Brasil no Paraná (OAB-PR), Marcelo Araújo, acredita que as ações
regressivas da Previdência não têm lógica. Ele ressalta que já existe,
por exemplo, o Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos
Automotores de Vias Terrestres (DPVAT), que indeniza vítimas do
trânsito. “E se o causador já for beneficiário do INSS, o órgão cessará
seus proventos ou fará o pagamento e depois tentará reavê-lo? E se o
próprio beneficiário for o causador, perderá seus direitos?”, indaga
Araújo.
A presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB-PR, Melissa
Folmann, diz que a lei só autoriza ações regressivas em razão de danos
causados na relação de trabalho. “Ir além da disposição da lei é uma
violação ao Estado de Direito. Alguns dirão que o INSS poderia se valer
do Código Civil, mas o argumento é pior ainda, pois seria a legitimação
da dupla punição ao causador do dano.” A presidente da organização
não-governamental Instituto Paz no Trânsito em Curitiba, Cristiane
Yared, crê que toda ação que possa responsabilizar os motoristas
infratores é válida. “O poder público não pode se ausentar. O governo
precisa agir para reduzir a violência no trânsito”.
Fonte: Gazeta do Povo
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