Reinier
Rozestraten, um dos estudiosos pioneiros na área do trânsito,
descreve-o como “o conjunto de deslocamentos de pessoas e veículos nas
vias públicas, dentro de um sistema convencional de normas, que tem por
fim assegurar a integridade de seus participantes.” (ROZESTRATEN, 1998).
Ou seja, em primeiro lugar, todos “deveriam“ conseguir se deslocar aos
seus destinos. Em segundo, fazendo-o em segurança. Sempre.
Para que este conjunto de deslocamentos ocorra, é preciso que determinadas regras sejam cumpridas igualmente
por todos, pois, do contrário, dão-se desde acidentes leves, sem
vítimas (onde o resultado é só dano material) até as mais terríveis
tragédias.
Porém, o produto desta interação entre o homem, a via e o veículo nem
sempre é o esperado, mas constitui um farto material composto das mais
diversas e improváveis situações e variáveis.
O conceito de trânsito compreende o uso compartilhado do espaço
público como espaço democrático onde se exerce o direito de ir e vir por
todos que dele participam, independente de raça, religião, condição
física ou econômica. As vias são as ruas, avenidas, calçadas e locais
para estacionamento onde os deslocamentos podem ser realizados a pé ou
através de meios de transporte diversos, desde os automotivos até os
não-motorizados como a bicicleta convencional, as montarias ou os mais
recentemente integrados como novos modais como é o caso do skate. A
diversidade dos seus participantes compreende tanto as pessoas quanto os
animais (ou você nunca reduziu sua velocidade ou até parou para um
animal cruzar à frente do seu carro?!).
Mas compartilhar com seus conhecidos é mais fácil do que com
estranhos. E é aí que surgem os conflitos. Eles ocorrem principalmente
por disputa de espaço, pois, segundo Vasconcellos, “o trânsito pode ser
concebido como um espaço de convivência social, formado por pessoas com
necessidades e interesses diversos, as quais terão de negociar o uso do
espaço público da melhor forma possível, uma vez que dois corpos não
podem ocupar o mesmo lugar simultaneamente“ (VASCONCELLOS,1998). Desta
forma, para as finalidades para as quais o trânsito existe (circulação,
parada, estacionamento e operações de carga/descarga) há necessariamente
interação entre as pessoas, o que o torna o maior espaço de
socialização de todos. Cada um é obrigado, desde o nascimento até o
momento de sua morte, a participar do trânsito sempre que deixa sua casa
(embora para aquela parte da população brasileira que “vive nas ruas“
essa não seja exatamente uma opção). E ainda que o condutor, a via e o
trajeto sejam os mesmos, cada vez ali se dá mais uma participação
inédita neste espaço.
No entanto, a maioria da população tende em ver o trânsito de forma negativa. Mas você já pensou que o trânsito é um bem social? Isso porque dentre
os mais diversos benefícios que ele pode nos proporcionar destacam-se: a
rápida locomoção, o transporte de pessoas e objetos, o encurtamento de
distâncias entre as pessoas e pode-se afirmar também entre outras coisas
(e porque não?) a condução de sonhos! Mas vale a pena lembrar que o
trânsito somente trará verdadeiros benefícios quando nele forem
respeitadas as diferenças, a individualidade e as necessidades de cada
participante do sistema tanto quanto as regras que o regem.
E a Psicologia tem muito a contribuir neste novo olhar sobre
o trânsito. Ela é a ciência que estuda o comportamento humano e sua
interação com o ambiente físico e social. É “filha” da Filosofia que,
por sua vez, estudava as questões relacionadas à existência do homem, ao
conhecimento, à verdade, aos valores morais e estéticos, à mente e à
linguagem. A palavra Filosofia, inclusive, veio do grego e significa
“amor à sabedoria”. Portanto, cabe à Psicologia como ciência sucessora e
especialista, o papel de investigar os “porquês” determinantes do modo
de agir das pessoas no mundo. Talvez se possa dizer que o seu amor é o
“saber sobre o homem”.
Já a Psicologia do Trânsito tem por intuito estudar o comportamento
humano no trânsito. Assim sendo, o cumprimento de regras envolve o
comportamento das pessoas, objeto de interesse da Psicologia. Cabe,
portanto, à essa ciência o estudo do trânsito por meio de uma constante
observação dos processos internos e externos a ele e dos fenômenos
conscientes e inconscientes que ocorrem em seu contexto.
A Psicologia do Trânsito é uma inovação, quando comparada aos campos
mais clássicos da Psicologia. Tem na avaliação psicológica o
reconhecimento exclusivo do seu papel. Mas desenvolve estudos de suma
importância para a melhoria da qualidade de vida das pessoas.
No Brasil a população em geral e a rigor, habituou-se a se deparar
com um psicólogo do trânsito quando da retirada de sua primeira
habilitação. No passado cabia-lhe apenas a aplicação e correção de
testes. Hoje, depois da implementação do Código de Trânsito Brasileiro,
novamente neste momento com um processo bem mais completo de avaliação
psicológica (exigência para este fim) ou quando da renovação da mesma
por solicitação do profissional de Medicina envolvido na renovação.
Portanto, a priori, a imagem do Psicólogo do Trânsito sempre esteve
muito vinculada com a de um “avaliador”. Sem dúvida, cabe a ele parte da
responsabilidade da difícil tarefa de investigar se uma pessoa está
apta a dirigir. Mas seu papel vai muito além.
O psicólogo pode atuar em diversas frentes de trabalho, pois, se o
trânsito é um reflexo da nossa sociedade, este profissional pode
provocar reflexões em todos os segmentos que compõe a sociedade.
É importante ressaltar que existe atividade fora das clínicas e dos
DETRANs. Atualmente compete ao psicólogo do trânsito que atua neste
contexto desenvolver pesquisas tendo como foco os problemas psicológicos
e psicossociais relacionados ao trânsito; ações para prevenir
acidentes; perícia em exames para motoristas almejando sua readequação
ou reabilitação profissional; criação e desenvolvimento de trabalhos
educativos para o trânsito; estudo das implicações do uso de drogas
(lícitas ou ilícitas) e seus reflexos no trânsito; colaboração com a
justiça através do fornecimento de laudos, pareceres ou avaliações,
etc..
Por exemplo: você já se perguntou se há semelhança entre o
comportamento de uma pessoa no trânsito e a forma dela se expressar na
internet? Mas o que uma coisa terá a ver com a outra? São hipóteses.
Será que o comportamento de alguém difere se estiver no trânsito na
condução de um veículo, portanto, protegida por ele e se, em vez de seu
nome, puder assinar com um pseudônimo que lhe garanta o anonimato na
rede? É algo a se pensar, pois, conforme coloca o antropólogo Roberto da
Matta em seu livro “Fé em Deus e Pé na Tábua”, referindo-se aos
primeiros meios de transporte das grandes cidades no século passado: “
Numa cidade na qual a população era, até então, transportada por
palanquins, charretes, redes, carruagens e cavalos, a dinâmica do
trânsito é feita pelo reconhecimento personalizado dos
proprietários dos veículos. Com isso, as deferências caseiras, vigentes
nas relações sociais, são usadas no espaço urbano em geral. “ ( DA
MATTA, 2010). Mas se o número de veículos aumenta exponencialmente, isso
já não é mais possível. E com isso, já que o condutor se vê imerso num
mar de “estranhos”, talvez ele tenda a se sentir protegido por seu
veículo, ou, se não por ele, pela película aplicada eventualmente em
seus vidros, tanto quanto por pseudônimos que não lhe permitem a
identificação na rede. Desta forma, tanto o espaço público como o
virtual (que numa democracia deveria ser de todos) vira “terra de
ninguém”. A questão é refletir se o anonimato que a Internet e os
veículos proporcionam às pessoas não interfere no modo como agem, por
exemplo. Essa é apenas uma das questões que um Psicólogo Especialista em
Trânsito poderia levantar em uma discussão com qualquer segmento da
sociedade, especialmente entre jovens dentro ou fora das escolas, numa
perspectiva preventiva.
E, ao provocar reflexões como essa, proporcionar e mediar discussões
sobre o tema Trânsito, talvez cada um possa sair de sua “ zona de
conforto ” ao reclamar “ dos outros ” e tomar para si a responsabilidade
que lhe cabe como “ator” neste cenário onde ou se é condutor, ou
passageiro, mas sempre, todos, sem exceção, são pedestres.
Assim, a Psicologia do Trânsito lhe deixa uma pergunta: E você? O que
de fato tem feito para a construção de um trânsito mais humanizado que
certamente costuma dizer que gostaria de ver nas ruas quando sai de sua
casa a cada dia?
Artigo produzido para a disciplina de Psicologia do Trânsito
Curso: Especialização em Psicologia do Trânsito – PUC PR 2014
Docente: Simone Silvana Lazaroto Schettini CRP 08/05611
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