Proibir a cobrança de multas para motoristas
que furarem o sinal vermelho do semáforo com fiscalização eletrônica em
baixa velocidade. Esse tratamento inusitado da realidade foi aprovado
pela Câmara de Vereadores de Itajaí (SC) por 18 votos contra 1 na semana
passada.
Para os motoristas que furarem o sinal em alta velocidade
em semáforo com fotossensor ou em qualquer semáforo sem fiscalização
eletrônica continua valendo o que diz o art. 208 do CTB: infração
gravíssima, 7 pontos na carteira e multa de R$ 191,54.
A justificativa do autor do projeto de lei de que alguns semáforos
ficam em locais de difícil visualização dos motoristas e outros em
pontos onde é complicado convergir para a esquerda. Alega, também, que
não se pode punir os bons motoristas porque a mobilidade urbana não é
adequada.
Os parlamentares ainda tiveram a pachorra de exemplificar: às
vezes o sinal está fechando, mas o motorista precisa frear para evitar
um atropelamento, não percebe a mudança de luzes e acaba multado. Como
se dirigir defensivamente, ter atenção e respeitar a sinalização e os mais fracos no trânsito não fosse um dever de todo motorista!
A única vereadora que teve a lucidez necessária para votar
contra foi voto vencido ao defender que se os semáforos tem algum
problema de temporização ou de localização que eles sejam identificados e eliminados.
O que alguém precisa dizer aos senhores vereadores é que trânsito não
é sinônimo só de carros; que a cidade não é feita só para os veículos e
que mobilidade urbana é muito mais do que isso. Alguém precisa dizer à
esses parlamentares que o trânsito é feito de pessoas, de vidas que se
cruzam sobre rodas e principalmente a pé.
Ora, leitores, considerando que embaixo de todo semáforo existe uma
faixa de pedestres, se houver uma lei que permita furar o sinal vermelho
mesmo em baixa velocidade, quando é que esses pedestres vão conseguir
atravessar a rua com segurança?
Quer dizer que os vereadores “acham” que não se pode punir os bons
motoristas porque o que eles entendem por mobilidade urbana não é
adequada, mas podem punir os pedestres, as mães com carrinhos de bebês,
os idosos, os cadeirantes, os deficientes e uma sociedade inteira?
Quer dizer que os senhores vereadores estão preocupados com os
motoristas que não percebem que o sinal vai fechar e, por isso, serão
multados? Não seria mais útil e produtivo se preocupar com a falta de
atenção dos motoristas, investir em ações educativas e preventivas e
puni-los exemplarmente por deixarem de cumprir com o dever básico de ter
atenção no trânsito?
Será que os legisladores de Itajaí conhecem mesmo a Constituição do
país em que vivem? Será que conhecem a hierarquia das leis e que uma lei
federal não pode ser alterada por uma lei municipal mesmo estando o
município esteja integrado ao Sistema Nacional de Trânsito? Será que já
ouviram falar do Manual Brasileiro de Sinalização, que regulamenta a
sinalização semafórica? Será que sabem que cabe à União e somente à ela
legislar em matéria de trânsito em todo o território brasileiro?
Ora, leitores, a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que
instituiu o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é uma lei federal, da
qual faz parte o art. 208 que trata sobre o respeito à sinalização
semafórica. É legítimo que a Câmara de Vereadores discuta os problemas
locais e faça leis que beneficiem a população, mas o que os vereadores
não podem é passar por cima de leis federais e, num delírio de grandeza,
aprovarem um projeto de lei patético e inconstitucional como este.
O crítico teatral Marin Esslin chamaria a isto de teatro do absurdo,
expressão que ele mesmo cunhou. Caetano Veloso diria que alguma coisa
está fora da ordem enquanto o psicanalista Lajonquière diria que estão
querendo naturalizar o desrespeito às leis de trânsito.
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