Artigo de autoria de Paulo Douglas Almeida de Moraes, Procurador do Trabalho, co-autor da Ação Civil Pública que deu origem à Lei n. 12.619/2012, publicado pela Revista Carga Pesada
A
aprovação, pelos membros da casa do povo, da proposta que condena a trabalhos
forçados todos os motoristas profissionais brasileiros nos remete aos debates
filosóficos travados na academia, onde se busca resposta para a inquietante
questão sobre a natureza humana: seria o homem essencialmente bom ou perverso
por natureza?
Logo após
a divulgação pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) de que pelo quarto ano
consecutivo houve redução no número de acidentes e mortes nas rodovias. Em
plena década na qual o Brasil se comprometeu perante ao mundo em reduzir pela
metade a violência no trânsito. Num país com um dos fretes rodoviários mais
baratos do planeta. Num momento econômico, aparentemente duradouro, de ampla
vantagem cambial para o escoamento das commodities nacionais, em especial do
soja. Num ano no qual o Brasil deverá, mais uma vez, colher safra recorde de
grãos.
Num
contexto como esse, o que fez o Congresso Nacional? Aprovou proposta que,
dentre outras atrocidades, impõe ao motorista profissional, seja ele condutor
de caminhão ou de ônibus urbano ou rodoviário, jornadas de até doze horas de
trabalho e, em alguns casos, podendo ser estendidas sem qualquer limite; reduz
de onze para apenas oito horas o descanso entre um dia e outro de trabalho; que
autoriza o pagamento por comissão; que cria a figura do motorista autônomo
auxiliar, sem vínculo empregatício ou qualquer outra proteção jurídica; que
prescreve tolerância de excesso de peso da carga, admitindo assim uma inusitada
lei que permite o descumprimento da lei; que transfere o ônus do vício em
drogas, vício este induzido pelo sistema, para a vítima – o motorista.
Ora, se a
lei do descanso (Lei n. 12.619/12) já vem salvando milhares de pessoas, se esta
lei, diversamente do que afirmavam seus críticos, se mostrou plenamente viável
e não embaraçou o escoamento da enorme safra de 2014, se o Brasil passa por
momento macroeconômico que favorece o agronegócio e se o frete rodoviário
continua comparativamente barato, qual é a razão para legalizar as condições
subumanas de trabalho do motorista profissional brasileiro? Qual a razão para
economizar alguns centavos no frete e continuar a gastar bilhões de reais em
tratamento com mortos e feridos nas estradas?
A
resposta é simples: não há nenhuma justificativa razoável. Trata-se de um
capricho da maior e mais poderosa bancada do Congresso Nacional – a bancada
ruralista. É uma forma dela mostrar quem manda, ainda que essa demonstração
custe milhares de vidas que se perderão nas estradas e que poderiam ser
poupadas.
O único
erro estratégico dos ruralistas foi, neste ímpeto de barateamento do custo de
transporte, o de ferir interesses de outro segmento poderoso, o das
concessionárias de rodovias, pois ao isentar do pedágio os eixos suspensos de
caminhões descarregados e ao admitir tolerância de até 10% no sobrepeso, além
do Congresso agravar, com esta última medida, as condições de trabalho e
segurança dos motoristas, seja pela redução de eficiência do sistema de
frenagem dos caminhões, seja pela elevação no nível de vibração no veículo,
acabou por mexer no “queijo” das concessionárias.
Esse
erro, que já implicou num nó que custou bastante tempo para ser desatado no
próprio Congresso, pois a expectativa dos ruralistas e das empresas de
transporte era que as alterações já houvessem sido aprovadas em 2014, pode
agora levar ao veto dos dispositivos ou de toda a proposta pela Presidência da
República.
A matéria
seguiu para o Planalto, e agora está com ele a palavra final. Vetar ou manter essa
proposta irracional e atentatória ao interesse da sociedade.
Nossos
representantes do povo, com honrosas exceções, já deixaram claro que para eles
a vida dos motoristas nada vale, esperemos agora que a resposta da Presidência
da República seja mais sensata, sob pena de termos que concluir que Hobbes
tinha mesmo razão: o homem é o lobo do homem.
Fonte: Revista Carga Pesada
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