As distrações podem fazer o motorista perder mais do que alguns segundos
Nossos sentidos são capazes de nos afastar de grandes perigos. Por
outro lado, quando estamos dispersos ou sobrecarregados de informações,
nosso sistema sensorial age mais devagar, e no trânsito essas condutas
podem causar acidentes – muitas vezes fatais.
De acordo com a Polícia Rodoviária Federal, 46% das colisões em
rodovias brasileiras ocorridas em 2012 foram causadas por motoristas
desatentos. E o problema não é apenas no Brasil: no mesmo ano, a agência
americana de segurança viária, National Highway Traffic Safety Agency
(NHTSA), registrou 3.092 óbitos em acidentes causados por distração, o
que corresponde a 10% dos desastres registrados nas rodovias federais
dos Estados Unidos.
Para a neurologista mineira Marília Denise Mariani Pimenta, o homem é
o maior peso da tríade formadora do trânsito (homem-via-veículo).
“Dirigir envolve carga emocional e cognitiva, e o motorista precisa
prioritariamente ter atenção, sem distrações”, informa. De acordo com
ela, é preciso ter todas as condições para avaliar os vários estímulos
que ocorrem simultaneamente e o tempo todo, vindos dos meios interno
(luzes do painel, barulhos e/ou cheiros diferentes) e externo (vias,
pedestres, animais, outros veículos, obstáculos, ambiente em geral).
Na opinião de Luiz Gustavo Campos, especialista em Gestão de Trânsito
e Mobilidade Urbana da Perkons, estar atento pode realmente salvar
vidas, principalmente tendo em vista que o tempo de frenagem, diante de
uma situação em que ela é necessária, aumenta substancialmente com a
desatenção. “O indivíduo atento ao tráfego e ao caminho que está fazendo
tem melhores condições de reagir a tempo de evitar choques, além de
diminuir as chances de errar o trajeto”, comenta.
José Aparecido da Silva, PhD em Percepção e Psicofísica pela
Universidade da Califórnia e professor do Departamento de Psicologia e
Educação da Universidade de São Paulo, destaca a visão e outros sentidos
importantes para a direção: o tato, na hora de avaliar o toque, a
textura e a largura, na relação com os itens do carro; o cinestésico ou
propriocepção, que proporciona a sensação de movimento, fazendo com que o
condutor tenha a exata noção de onde estão seus membros e qual o
movimento estão fazendo sem ter de olhar para eles; o vestibular,
sistema responsável pelo equilíbrio (impulsos enviados ao cérebro
controlam o movimento dos olhos ou os músculos que mantêm o corpo firme e
em estabilidade motora); e o olfativo, importante quando percebemos um
cheiro de queimado, por exemplo.
Para Pimenta, a atenção envolve principalmente dois sentidos: a visão
e a audição. “Assim, não poderiam dirigir pessoas cegas, pois não
veriam os ambientes interno e externo do veículo; pessoas alcoolizadas,
pela lentidão para processar os variados estímulos e realizar as ações
pertinentes a eles, além do grande risco de dormir ao volante; pessoas
com sonolência excessiva, como nas apneias do sono, onde a sonolência
funciona como embriaguez; pessoas sob efeito de medicamentos ou drogas
que comprometam o estado de alerta; pessoas com crises epilépticas não
controladas, mesmo que sejam espaçadas, pois podem ocorrer no volante.
Teriam risco aumentado as pessoas surdas, pois não ouviriam uma buzina,
uma freada brusca, um apito de trem ou de policial, um alerta de
passageiro do veículo; as com alterações cognitivas pela dificuldade
e/ou impossibilidade de processar os estímulos; as com determinadas
alterações motoras, como sequelas de AVC e Doença de Parkinson, pelas
limitações inerentes; as com alterações psiquiátricas mais sérias
(principalmente do humor e comportamento).”
Em prol de uma maior atenção
José Aparecido considera também que, para reverter as estatísticas de
acidentes, causados em grande parte por desatenção, é preciso que o
exame de habilitação seja mais rigoroso. “Para viajarmos com segurança, o
condutor deveria fazer um teste de inteligência que apontasse um QI
acima de 90 e que implantássemos o Hazard Perception Test, utilizado na
Austrália, que observa como o candidato reage em situações de perigo no
trânsito”, opina. Para ele, o governo deveria fomentar, ainda, celulares
que desligassem automaticamente quando o carro estivesse em movimento.
Além disso, na opinião de Pimenta, aplicativos como “Mãos no Volante”,
que não deixam o celular tocar, enviando uma mensagem a quem está
ligando informando que o dono do aparelho está dirigindo, deveriam vir
de fábrica obrigatoriamente. No entanto, atualmente, está apenas
disponível para o sistema Android.
Quanto aos celulares, fones de ouvido e viva-voz, Pimenta lembra que
eles podem aumentar o número de acidentes em 23 vezes, sendo de 3 a 9
vezes mais eventos com vítimas fatais. “E o risco é o mesmo para os
três!” Nem mesmo a música está fora de produzir riscos, até ao pedestre.
A médica conta que estudos em Paris e nos EUA dão conta de que estes
tiradores de atenção podem aumentar a chance de pedestres se envolverem
em acidentes em 3 vezes. “Já há locais, como na Inglaterra, onde o
pedestre é proibido de andar usando estes equipamentos que causam
distração”, acrescenta.
O poder público pode ainda trabalhar com a conscientização. A Dinamarca, por exemplo, criou a campanha “Durante
a condução de um veículo, apenas dirija” (em tradução livre), que
compara as distrações – ainda que pequenas – como o motorista colocar um
saco de papel na cabeça enquanto conduz.
Dicas para manter a atenção focada no trânsito Aqueles que são desatentos devem tomar algumas medidas para garantir uma condução segura:
- Eliminar todo e qualquer estímulo que possa competir com o ato de
dirigir. Para o pedágio, por exemplo, é importante já separar o dinheiro
com antecedência. “Acontecem muitas situações em que o motorista, ao se
aproximar de um pedágio, se distrai para procurar o dinheiro,
diminuindo a capacidade motora, resultando na perda do controle do
automóvel”, explica José Aparecido.
- Em casa, buscar simuladores on-line com o objetivo de observar sua atuação em situações de risco.
- No dia a dia, realizar atividades que fortaleçam a atenção, como leitura e jogos voltados para este fim.
- Nunca subestime a capacidade de um momento de desatenção trazer
problemas na condução de um veículo. “Até as menores e mais simples
distrações podem acarretar em graves consequências; afinal, muitas
vezes, a diferença entre a ocorrência ou não de acidentes pode estar em
poucos segundos”, lembra Luiz Gustavo.
- Use aplicativos como o “Mãos no Volante”, que ajudam a evitar
acidentes ao inibir o uso do celular na direção. “No mundo moderno, tem
causado cada vez mais preocupação o uso de desviadores da atenção,
sendo os mais significativos os celulares, os fones de ouvido e os
dispositivos em viva-voz”, opina Marília Denise.