Quando o australiano Eric Howard iniciou a sua palestra no evento Fórum Volvo/OHL de Segurança no Trânsito, no último dia 15, em Brasília, advertiu a plateia: estava há apenas 24 horas no país e já havia viajado a 120 km/h numa rodovia em que a velocidade máxima permitida é 80 km/h. Algo normal para um brasileiro, mas inaceitável a um estrangeiro. Ao contar sua experiência, os olhos arregalados do australiano demonstravam sua surpresa.
Howard é consultor do Banco Mundial e atua no planejamento e gerenciamento de programas de segurança no trânsito em mais de 20 países. Ele foi um dos especialistas convidados pela organização do evento para trazer ideias de como o Brasil pode diminuir a fatalidade no trânsito na década mundial do trânsito (2011-2020).
A meta da Organização das Nações Unidas (ONU) é que, nesses dez anos, os países reduzam em 50% o número de mortes causadas por acidentes de trânsito. O Brasil integra o grupo dos dez países com as mais altas taxas de fatalidade no trânsito. Na Austrália, há 5,2 mortos a cada 100 mil habitantes. Por aqui, são 18,9 mortos a cada 100 mil. Veja os principais trechos da entrevista.
Como melhorar a segurança no trânsito no Brasil?
Primeiro é preciso ter dados confiáveis para se fazer algo a respeito. Depois, é necessário envolver a comunidade inteira. Cada um pode fazer um pouquinho. É preciso velocidades, veículos e estradas mais seguros, um tratamento médico de emergência melhor, educação e informação, usuários mais alertas e obedientes, melhorias na legislação e na fiscalização. É possível uma mudança rapidamente, mas é necessário vontade política.
Um dos pontos mais importantes é a redução dos limites de velocidade, como o senhor frisou em sua apresentação?
Sim. Com uma redução da velocidade máxima permitida em 10%, você diminui em 38% o número de mortes. Se você aumenta em 10%, as mortes crescem 54%. Os radares devem ser escondidos, senão vira um esporte: os motoristas freiam só onde está o aparelho e depois voltam a acelerar.
O senhor fala em diminuir a velocidade, mas os carros são fabricados para andar a mais de 200 km/h. Não é uma incongruência?
A indústria de carros tem de responder às demandas dos consumidores. Na Austrália, estamos implantando controle eletrônico de velocidade nos carros. Os fabricantes estão dispostos a fazer o que os consumidores quiserem.
Há um sentimento, que é muito forte, particularmente nos homens, de “correr”. É possível fazer algum tipo de abordagem em relação a essa cultura?
A velocidade tem essa conexão com a psiquê do homem. Eu não sei por quê. É necessário mostrar os benefícios, com campanhas inteligentes na televisão.
O senhor falou sobre limitar a velocidade dos ônibus a 30 km/h e diminuir os limites de velocidade de uma forma geral. Isso não congestionaria ainda mais o trânsito?
Seria ótimo se você conseguisse andar a 30 km/h no centro de São Paulo, por exemplo. Jornadas mais seguras não querem dizer jornadas mais longas. Se você anda mais rápido você só vai chegar ao próximo ponto de congestionamento mais rápido.
Aqui no Brasil, invocando o direito de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, muitos motoristas se recusam a fazer o teste do bafômetro. Tivemos até um senador [Aécio Neves, do PSDB-MG] que se recusou recentemente. Como funciona na Austrália?
Se um político na Austrália se negar a fazer o bafômetro, ele tem de renunciar imediatamente. Sobre a lei australiana, a habilitação é um privilégio e não um direito. Para você manter a habilitação, tem condições que devem ser atingidas. Uma dessas condições é a de beber e não dirigir. Isso é muito complexo e eu não devo me meter, mas seria importante o país ajustar a legislação constitucional.
Na Austrália o motorista pode chegar a ser preso se beber e dirigir?
Até um certo nível você recebe uma penalidade administrativa e acaba aí. Se é reincidente ou está com nível elevado de álcool no sangue você tem penalidades severas. Você não fica preso, mas as chaves do carro são tiradas de você. Se há alguma infração pendente no tribunal, você não pode mais dirigir.
No Brasil os radares são sinalizados. Algumas pessoas defendem que a sinalização seria uma forma educativa de fiscalização. O senhor acha que essa argumentação faz sentido?
As pessoas que apoiam a publicidade das câmeras estão mal informadas ou não querem respeitar a velocidade. Uma pesquisa australiana mostra que o efeito das câmeras óbvias é 15% inferior ao das câmaras escondidas.
É comum, nas grandes cidades, as motocicletas andarem nos corredores entre os carros. O senhor acha que seria uma boa ideia destinar vias especiais a elas?
Com certeza. O motociclista é um pedestre em cima da motocicleta. Se você não conseguir fazer essa separação, a velocidade não deve ultrapassar 40 km/h.
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