Alguns estados brasileiros, na tentativa de serem mais rigorosos nos exames
de direção, já tentaram de tudo: iniciar a prova pela baliza, diga-se de
passagem, o terror de todo candidato a habilitação, provas nas ruas, segurar o
carro na rampa de frente e de ré, fazer garagem, dentre outros comandos básicos
de condução.
Para muitos, isso não é novidade, tampouco significa tanto rigor assim
porque é o que diz a Resolução nº 168/2004, de abrangência federal, e,
portanto, deveria ser regra de toda avaliação ao final do processo de
habilitação. Deveria! Porque não é bem assim.
Por incrível que pareça, em alguns estados os exames de direção ainda se
limitam às manobras do pátio compostas de duas fases: slalom e baliza. Fez o
percurso curtinho sem bater nas balizas ou cones de slalom e depois colocou o
carro na vaga, pronto! Está habilitado.
A falta de padronização nos exames é tão grande que no Grupo Aprendendo a
Dirigir, no Facebook, - um espaço de construção de práticas seguras e
defensivas no trânsito, mas também um rico laboratório de informações e de
aprendizagens significativas para o processo de habilitação, - cada vez que
algum candidato expõe o motivo da reprovação no exame, causa espanto.
Não pela reprovação em si ou pelas dificuldades de cada um, mas pelo modo
como os exames de direção são feitos. O que mais se lê são comentários do tipo:
“Nossa, como aí no seu estado é fácil o exame!”, ou mesmo: “aqui a prova nem é
feita na rua, só no pátio.”
Curiosos mesmo são os comentários que informam que nas provas práticas em
alguns estados, os candidatos são punidos caso olhem por muito tempo para o
espelho retrovisor. E não são comentários só de alunos, de candidatos à
habilitação, mas também de instrutores que já me alertaram quando posto alguma
dica significativa para a prova de direção que envolva a devida atenção aos
espelhos retrovisores.
Ora, condutores, todo mundo sabe ou deveria saber que os espelhos
retrovisores são os olhos do motorista para tudo que acontece atrás e nas
laterais de seu carro e não olhá-los é o mesmo que dirigir com venda nos olhos?
Como formar futuros motoristas para um trânsito cada vez mais exigente de
cuidados desse jeito?
Será que quem inventou essa proibição absurda faz baliza sem olhar os
retrovisores? Sem checar a aproximação com os obstáculos, com o meio fio, com
os outros carros, pessoas e ciclistas?
Peraí, mas não é para formar condutores defensivos? Não é para ensinar nas
aulas a dirigir como se vai dirigir nas ruas? Então, como dirigir no trânsito
de verdade sem saber usar os retrovisores? É para prevalecer o adestramento,
esse câncer que corrói o processo de habilitação inteiro?
Pois saibam que para dirigir no dia a dia não existem macetes, não existe
contar voltinha em volante, muito menos marcações nos vidros e nas portas do
carro. Existe sim, a exigência de que o motorista recém-habilitado tenha o
mínimo de autonomia e segurança para dirigir.
A estimativa é de que 30% dos acidentes por imperícia em manobras de ré são
porque os motoristas iniciantes não olham os retrovisores! Muitos dos acidentes
por imperícia nas transposições de faixa são porque os alunos temem de morte
olhar nos retrovisores.
Vocês fazem ideia de quantos retrovisores são arrancados ou quantas portas e
outras partes laterais do carro são amassadas por dia porque motoristas novatos
não aprenderam a olhar os retrovisores nas manobras, estacionamento e entrada
de vagas, garagens e portões?
Então, faz sentido punir o candidato que olha atentamente no retrovisor para
fazer uma manobra de baliza no teste prático se todo motorista que se preze faz
isso atentamente no dia a dia?
Ou será que a direção defensiva se encerrou lá atrás, com as aulas teóricas
e não precisa ser aplicada na prática? Então, de que adianta cobrar tanto dos
instrutores e do CFC se até no dia da prova prevalece o adestramento com
carimbo vindo de cima?
Sabemos que a 168 é tão federal quanto a 358, que dá autonomia aos Detrans
para fazer as mudanças pedagógicas necessárias que melhorem o processo de
habilitação e a formação de condutores. Mas, não seria um desserviço à boa
aprendizagem da direção e à formação de condutores defensivos uma proibição
absurda dessas de olhar nos retrovisores o tempo que for necessário para fazer
uma manobra segura?
Sinceramente? No que essas diferenças nos exames de direção no país estão
implicando para as reprovações e para os acidentes por imperícia?
Márcia Pontes
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