Essa é uma questão que já tivemos a oportunidade de debater em diversos artigos aqui no Portal do Trânsito, mas vira e mexe ela vem à tona de novo: as dificuldades para ensinar e aprender a dirigir durante o processo de habilitação.
Não é novidade alguma que no Brasil os índices de reprovação nos
testes de direção são muito altos. Altíssimos em algumas regiões e
cidades em que passa de 80%.
O fato é que agora o tema formação de condutores
está sendo debatido lá em cima, em Brasília, e por mais que as críticas
sejam de muito cococó e pouco ovo, a preocupação está indo longe, onde
deveria chegar mesmo.
O tema é delicado e há quem diga que abordá-lo é cutucar um vespeiro.
Aí refaço uma pergunta constante que agora ganha eco em Brasília por quem faz as leis no Brasil: como estamos formando os novos motoristas?
Que se deixe claro que a prática e a habilidade que vão tornar esses
novos motoristas competentes no ato de dirigir vem, naturalmente, com o
tempo. Não se pode cobrar da autoescola ou do instrutor uma coisa que é
própria do motorista: prática.
Até porque essa vem com o tempo, com o ato de dirigir diário e depende do modo como os novos motoristas encaram as suas vivências e experiências ao volante como recém-habilitado.
É público e notório o descontentamento dos instrutores e CFC’s com a
carga horária prática de 20 horas, que ao meu ver, é um questionamento a
mais. Sabemos que cada aluno é único, tem necessidades diferenciadas:
uns aprendem mais rápido, outros menos.
Há quem diga que o adestramento, as receitas prontas e padronizações
focadas na memorização são fruto da carga horária insuficiente das aulas
práticas com a justificativa de que é muita coisa para ensinar e pouco
tempo para aprender. Então, em tese, elaboram-se as fórmulas prontas de
baliza que ensinam a contar voltinhas no volante para passar na prova e
depois o aluno aprende com o tempo.
Só que nesse tempo aumentam os acidentes por imperícia, as
frustrações dos novos habilitados que constroem o conceito equivocado de
que dirigir é só andar para a frente em linha reta.
Quem está na profissão de instrutor de trânsito há muitos anos sabe
que evoluímos pouco nas questões pedagógicas em torno de como se ensina e
se aprende a dirigir. Sabe há muitas questões envolvidas além da carga
horária prática de 20 horas, inclusive as questões políticas.
O fato é que a questão pedagógica precisa ser revista urgentemente.
Formar um futuro condutor significa ajudá-lo a construir conceitos e
significados sobre a seriedade e a responsabilidade de dirigir. É tornar
o ensino e a aprendizagem significativos.
E o principal: tornar possível ao aluno e ao motorista
recém-habilitado aplicar a base dos conhecimentos que construiu na fase
de aprendizagem para uma direção segura, eficaz e eficiente.
E eis as perguntas que não querem calar: alguém decora os fundamentos
básicos de direção antes de dirigir no dia a dia? Então, porquê os
instrutores teóricos e práticos insistem que os alunos decorem,
memorizem os artigos do CTB, o jeito de pisar nos pedais ou mesmo
quantas voltinhas tem que dar no volante antes de dirigir ou manobrar?
Quem ensina a dirigir tem adesivos ou fitinhas coloridas coladas nos
vidros de seus próprios carros para fazer baliza e manobrar no dia a
dia? Então, porquê continuam a ensinar a dirigir enfeitando o carro com
pontinhos coloridos que só confundem os alunos? Não seria mais
significativo para o futuro motorista aprender os pontos de referência
da manobra que vai usar no dia a dia, sem macetes?
Algum instrutor de trânsito fica contando voltinhas no volante quando
vai fazer baliza no dia a dia? Então, porquê continuam ensinando essa
desconexão entre os giros de volante e a percepção do movimento de rodas
e a posição da frente ou traseira do carro numa manobra?
Aí entra outra questão: como os CFC’s estão aplicando os planos
pedagógicos? São atualizados? Investem na formação e (re)qualificação
dos instrutores? Apoiam, orientam, avaliam e dão suporte pedagógico aos
instrutores? E os Detrans, como atuam? Apenas cobram com a aplicação da
Resolução 358/10 ou apoiam pedagogicamente os CFC’s?
Desde 2008 trabalhando e interagindo diariamente com motoristas
recém-habilitados e outros que não dirigem há anos depois de habilitado é
possível entender as dificuldades dos novos motoristas e de muitos
instrutores, CFC’s, Detrans e seus profissionais.
Talvez aquelas dificuldades que passem despercebidas no cotidiano,
mas que se traduzem em acidentes por imperícia, em altas estatísticas de
reprovação nos testes de direção, em perpetuação de um modo de ensinar e
de aprender que precisa ser revisto diante dos desafios que o trânsito
do século XXI nos impõe.
Não se trata de apontar dedos e buscar culpados. Trata-se de um
debate sério por parte de todos os envolvidos no processo de ensinar e
de aprender a dirigir no Brasil.
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